12 de set. de 2012

Onde esta a luz?

Ó vida ingrata! Porque cobras tantas aflições, tantas lutas. Onde encontra-se a luz? A calmaria da alma? Talvez este seja um pensamento constante em nossa vida.

Mas será que o que passamos na vida são definitivamente cobranças? O véu do esquecimento nos é dado para que possamos seguir em frente dentro do nosso livre-arbítrio. As aflições, nos ensina Emmanuel, são aquelas construções equivocadas feitas em nossas vidas passadas, e que, em virtude de estarem registradas em nosso perispírito vez ou outra, afloram dentro de nós mesmos, criando mágoas e sentimentos que muitas das vezes desconhecemos, pensamentos outros que nunca pensamos, e assim sucessivamente. 

O mergulho que o Espírito da novamente a carne, serve como fase de depuração, o vaso carnal nada mais é do que o filtro deste Espírito, ainda somatizado em suas atribulações do passado. Com a carne, paulatinamente vamos filtrando estas somatizações, desde que tenhamos vontade de realizar a reforma interior.

É um processo que nos parece lento, mas necessário para a evolução do Espírito. Somente com o esquecimento e o reajuste de todo o passado é que iremos ter existências futuras – tanto dentro da carne, como fora dela, em outros planos - mais saudáveis e harmoniosos.

Jivago Dias Amboni – Centro Espírita Circulo da Luz de Criciúma e 9 URE.
Criciúma, setembro de 2012.

3 de set. de 2012

Gêneros e Intertextualidade: A Bíblia como Obra Literária. (terceira e última parte)

4.    Contexto
    Sempre que nos comunicamos estamos imersos a determinada situação. A isso chamamos contexto. Ou como melhor nos explica Villaça Koch (2006, p. 4), “o contexto é, portanto, um conjunto de suposições baseadas nos saberes dos interlocutores, mobilizados para a intepretação de um texto.”

    Só há entendimento entre os interlocutores quando eles conhecem o assunto sobre o qual vão discorrer e o meio (a linguagem)pelo qual vai ser expresso o tema. Por exemplo: Eu posso ser PHD em física quântica, vou ministrar uma palestra em Harvard para uma plateia tão qualificada quanto eu, mas não sei falar japonês e não há tradutor para esse idioma, e 50% da plateia só fala japonês. O que acontecerá? Somente metade do público compreenderá o que será dito, pelo simples motivo de não conhecer a língua pela qual será proferida a comunicação.Isso também acontece com a leitura da bíblia, há várias expressões idiomáticas das línguas hebraica, aramaica e grega que não conhecemos. Muitos tentam traduzir essas expressões literalmente e não vão ser felizes com o resultado. Como traduziríamos, por exemplo, as seguintes expressões idiomáticas para outro idioma: “Hoje no trabalho engoli muitos sapos”. Ou, ainda, “O seu Joaquim bateu as botas.” Essas expressões são comuns no nosso cotidiano, mas talvez, daqui a cem anos poucos saberão o seu significado. Imaginem textos que foram escritos há dois mil anos e, alguns, há três mil anos ou mais.    Ao depararmos com traduções de textos tão antigos temos que ter cautela em pronunciar qualquer opinião sem o cuidado de verificar o meio, a cultura, o contexto em que foi escrito tais passagens. Koch nos esclarece com mais propriedade a relevância do contexto para a compreensão de qualquer enunciado:
O contexto, da forma como é hoje entendido no interior da linguística textual, abrange, portanto, não só o co-texto, como a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico-cultural) e também o contexto sociocognitivo dos interlocutoresque, na verdade, subsume os demais. Ele engloba todos os tipos de conhecimentos arquivados na memória dos actantes sociais, que necessitam ser mobilizados por ocasião de intercâmbio verbal. (2002, cap. II)

E para nos aclarar ainda mais sobre contexto, diz:
Quando adotamos, para entender o texto, a metáfora do iceberg, que tem uma pequena superfície à flor da água (o explícito) e uma superfície subjacente, que fundamenta a intepretação (o implícito), podemos chamar de contexto um iceberg como um todo, ou seja, tudo aquilo que, de alguma forma, contribui para ou determina a construção do sentido. (2008, cap. 3)

5.    Conclusão
   
    Há critérios de estudos de textos que nós, leitores comuns, não estamos acostumados a utilizar. Critérios esses que, a ciência da língua, conhecida como linguística, pode nos ser muito útil para uma melhor interpretação da Bíblia, seja a Bíblia Hebraica ou o Novo Testamento. Se estivermos realmente interessados em compreender um pouco mais a fundo os densos textos da cultura do povo de Israel, podemos nos valer dos estudos de alguns linguistas e, até, inclusive, da teoria literária.

    As pesquisas em Bíblia em nosso país estão só começando. Penso que está área é rica em sutilezas, em detalhes e em nuances que somente estudos sérios, embasados e comprometidos com a pureza da literatura bíblica poderão nos envolver e nos agraciar com as belezas que toda boa obra nos oferece.

A Bíblia deve ser estudada ou lida por prazer, como todos os clássicos da literatura. Temos que evitar os preconceitos. E quando nos deparamos com algo que não entendemos no texto bíblico, devemos procurar respostas em outras pesquisas sérias ou com alguém que esteja mais habituado ao texto em questão. O que não se deve fazer é pensar que aquilo que não compreendemos está errado. Como já dissemos antes, há sutilezas nos textos bíblicos que somente compreenderemos se nos envolvermos com estudos e com a alma.





2 de set. de 2012

Gêneros e Intertextualidade: A Bíblia como Obra Literária. (segunda parte)

Segue a continuação da pesquisa feita pelo confrade Jorgemar Teixeira.

2.    Gêneros textuais na Bíblia

    Para não incorrermos em erro na leitura e interpretação bíblica, temos que ter consciência de que há na bíblia uma diversidade de gêneros literários, tais como: o Didático, o Profético, o Poético, o Apocalíptico, o Jurídico, o Epistolar, etc.Cássio Murilo Dias escreve proveitosa reflexão sobre o estudo dos gêneros literários da Bíblia em seu livro Leia a Bíblia como Literatura:
Falar em “gênero literário” exige que se façam algumas observações prévias. Em primeiro lugar, o termo “gênero literário” corre o risco de fazer esquecer que boa parte do material bíblico surgiu como tradição oral, isto é, antes de se tornarem textos, relatos e ensinamentos eram transmitidos de boca em boca, não só como atividade lúdica e estética, mas também como forma de transmitir cultura, orientações estéticas e conteúdo de fé. Por isso, embora o estudo de gêneros literários baseiam-se no material escrito, não se pode apagar o estágio anterior ao processo de transcrição”.
“Segundo, embora boa parte dos “gêneros literários” tenha esquemas relativamente fixos, esta não é uma regra universal. Há textos que possuem um estilo ou uma índole comum, mas não seguem o mesmo modelo. Com efeito, também esta é uma herança do período de transmissão oral”.
“Terceiro, o gênero literário “puro” existe só na abstração. Toda vez que um modelo é empregado, ele sofre influências do contexto e apresenta alterações, seja na sua forma, seja na sua finalidade. Há também textos híbridos, isto é, uma mesma perícope pode ser formada pela justaposição de dois gêneros literários distintos.
“Quarto, cumpre observar que os mesmos gêneros literários são utilizados tanto no Antigo como no Novo Testamento”. (2007, cap. 4)

Para exemplificar o que nos diz Cássio Murilo Dias, recorremos a Haroldo Dutra Dias:
No relato denominado “encontro junto ao poço”, (...), o redator bíblico procura explicar como os casais de patriarcas se conheceram, além de engrandecer as qualidades de cada um deles.
“A narrativa se desenrola em um dos poucos locais em que homens e mulheres, que não fossem parentes, podiam conversar, na antiga Israel. Nesse local de encontro, as mulheres demonstram sua capacidade de cuidar da casa e do rebanho, ao passo que os homens exibiam sua força de trabalho. (2011, p.147)

    Gn 24    Gn 29    João 4
Homem chega ao poço                                                  11                                         2-4                                              6
Mulher chega para tirar água                                       15-16                                            9                                           7a

Os dois conversam    17-18    8, 11-12a    7b, 9-12
Ele tira a água e oferece a ela e ao rebanho   
19-21   
10   
13-16
Ela volta para casa e relata o encontro     28                                     12b                                 28-29
Ele é convidado a visitar a casa dela                                        31-33                                       13-14                                           40

Os dois se casam    67   
15-21, 28    41-42

Vamos ver como Cássio Murilo Dias nos explica o diagrama supracitado:
As diferenças na aplicação do esquema básico estão em função do que é específico em cada texto. Em Gn 24, em lugar de o homem tirar a água, é a mulher que o faz. Talvez isso aconteça porque o homem que chega ao poço é somente o representante do futuro noivo. Em Gn 29, antes de Raquel chegar, já estão lá os pastores e é com eles que Jacó conversa em primeiro lugar. Só depois chega Raquel. Essa demora na chegada de Raquel antecipa a grande variação nesse caso concreto, isto é, a inversão do casamento: na noite de núpcias, Labão engana Jacó e o obriga a casar com Léa antes de se casar com Raquel. O episódio narrado em Jo 4 é fortemente simbólico: a mulher é figura da Samaria, antiga capital do reino do norte; os cinco maridos não são seres humanos do sexo masculino, mas, sim, cinco divindades cultuadas pelos povos que foram transplantados para a Samaria durante a dominação assíria (cf. 2Rs 17:29-31). Em outras palavras, Jo 4 usa o gênero do encontro junto ao poço para descrever a acolhida do evangelho pelos samaritanos, isto é, como Samaria “se casou” com Jesus. (2007, cap. 4)

Nas partes citadas da Bíblia e na boa explanação de Cássio Dias sobre as mesmas, temos todos os nossos objetos de estudo propostos para esse artigo.Temos o gênero literário chamado “encontro junto ao poço”. Há três encontros em lugares comuns e com finalidades semelhantes entre eles. Os diálogos são similares. As personagens são importantes para o povo judeu. E podemos ir mais longe: Por que num poço de água? O que a água simboliza para esse povo? Há uma explicação lógica para isso?Sim. Como o povo hebreu vivia em áreas desérticas e semiáridas, com raras fontes e poucas chuvas na maior parte do ano, a água tinha uma significação especial em sua cultura. As fontes, as chuvas, os rios, os lagos, os córregos, eram sinais da Graça do Deus único, como vemos abaixo:
•    O paraíso terrestre é banhado por quatro rios (cf. Gn 2,8­15).
•    O salmo 46, ao falar de Jerusalém, diz: “Um rio e seus canais alegram a cidade de Deus”.
•     O Senhor é meu pastor e me conduz às águas tranquilas. (Sl 23).
•     O coração de um rei é o rio de água nas mãos de Deus (Pr 21, 1)
•    Isaías prevê o mundo futuro, quando “O conhecimento do Senhor encherá a terra como as águas enchem o mar”. (Is 11,9).
•    A ciência do sábio aumenta como a inundação e seu conselho é como fonte de
água viva. (Eclo 21,13).
•    Deus, por meio  de Jeremias,  apresenta­se  como “fonte  de água viva” (cf. Jr2,13).

Citamos alguns para servirem de exemplo, mas há vários, inúmeros casos na Bíblia em que a água é mencionada pelo povo de Israel como símbolo sagrado.

Assim como acontece hoje, escrevemos ou falamos de acordo com o gênero que mais se adequa a ocasião, no Antigo e no Novo Testamento isso também ocorria. Então, é natural que os escritores bíblicos usassem de gêneros textuais preestabelecidos em sua época e região conforme a herança cultural daquele povo, como vimos no relato denominado “encontro junto ao poço”.E isso torna o texto bíblico mais inteligível, mais verossímil, mais próximo à nossa realidade. Ou seja, a escritura bíblica e os seus leitores comuns só têm a ganhar quando se abre esse leque de possibilidades de estudos referente ao gêneroliterário.

3. Intertextualidade
    Segundo o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a Intertextualidade é a “superposição de um texto literário a outro; influência de um texto sobre outro que o toma de modelo ou ponto de partida, que gera a atualização do texto citado; utilização de uma multiplicidade de textos ou de partes de textos preexistentes de um ou mais autores, de que resulta a elaboração de um novo texto literário; em determinado texto de um autor, utilização de referências ou partes de obras anteriores deste autor”.

    Utilizando, ainda, os textos de Gênesis 24 e 29 e João 4, nossa percepção literária nos dirá que estas três passagens bíblicas estão inseridas no conceito de intertextualidade, conforme nos explica o Dicionário Houaiss da língua portuguesa.Há superposição de textos, influência de um texto sobre outro e utilização de partes da obra.E para ampliar nosso entendimento de intertextualidade recorremos a Ingedore Villaça Koch:
(...) podemos depreender que, stricto sensu, a intertextualidade ocorre quando, em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte da memória social de uma coletividade. Como vemos, a intertextualidade é elemento constituinte e constitutivo do processo de escrita/leitura e compreende as diversas maneiras pelas quais a produção/recepção de um dado texto depende de conhecimentos de outros textos por parte dos interlocutores, ou seja, dos diversos tipos de relações que um texto mantém com outros textos. (2008, cap. 4)

    Para diferir a intertextualidade implícita da explicita Koch nos explica:
Em sentido amplo, a intertextualidade se faz presente em todo e qualquer texto, como componente decisivo de suas condições de produção. Isto é, ela é condição mesma de existência de textos, já que há sempre um já-dito, prévio a todo dizer. Segundo J. Kristeva, criadora do termo, todo texto é mosaico de citações, de outros dizeres que o antecederam e lhe deram origem. (2008, cap. 4)

    Desse modo podemos inferir que, desde que o “homem” começou a transmitir alguns sons para se comunicar em suas comunidades primitivas, esses sons foram sendo repetidos e modificados de acordo com a necessidade de cada momento. Não há textos puros. Todo texto remete a outro, que por sua vez remete a outro anterior e assim sucessivamente.Podemos pensar em outro caso: existe originalidade em se falando de texto? Creio que depende do nosso conceito do que vem a ser original. Paremos por aqui para não perdermos o foco de nosso modesto trabalho.